quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Automedicação

O professor do Centro Universitário de Lavras (Unilavras), Adolfo de Oliveira, publicará na próxima edição do jornal do LTC (Lavras Tênis Clube), um artigo falando sobre a automedicação.

Adolfo é bacharel em Odontologia pelo Unilavras, Mestre e Doutorando em Farmacologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atua como professor e Supervisor de Clínicas e Laboratórios do Centro Universitário de Lavras (Unilavras).

Adolfo de Oliveira

Veja a seguir a íntegra do artigo:

Os perigos da Automedicação
A Automedicarão abrange as diversas formas pelas quais o indivíduo ou responsáveis decidem, sem avaliação médica, qual medicamento e como irão utilizá-lo para alívio sintomático e “cura”, compartilhando remédios com outros membros da família ou do círculo social, utilizando sobras de prescrições ou descumprindo a prescrição profissional, prolongando ou interrompendo precocemente a dosagem e o período de tempo indicados na receita. O uso indiscriminado e indevido de medicamentos constitui um grave problema de saúde pública, principalmente nos casos de automedicação, ou seja, na ausência de prescrição médica. Por ser esta uma atribuição técnica e legal do profissional médico, qualquer indivíduo que aconselhe a utilização de um fármaco incorre em exercício ilegal da medicina, crime previsto no Código Penal (1940), em seu artigo 282. Da mesma forma, a reutilização de receitas antigas pode ser caracterizada como automedicação, uma vez que o medicamento em questão pode não ser necessariamente de uso continuado. Fatores econômicos, políticos e culturais têm contribuído para o crescimento e a difusão da automedicação no mundo. Tais fatores se relacionam, dentre outros, a uma grande disponibilidade de produtos; simbolização da saúde que o medicamento pode representar; publicidade irresponsável; pressão para a conversão de medicamentos de venda condicionada à apresentação da receita em medicamentos vendidos livremente nos balcões de farmácia e supermercados; qualidade da assistência à saúde; dificuldade de acesso aos serviços de saúde em países mais pobres. A propaganda de medicamentos nos meios de comunicação de massa constitui um estímulo freqüente para a automedicação, pois explora o desconhecimento dos consumidores sobre os produtos e seus efeitos adversos. O baixo poder aquisitivo da população e a precariedade dos serviços de saúde contrastam com a facilidade de se obter medicamentos, sem pagamento de consulta e sem receita médica, em qualquer farmácia, onde, não raro, encontra-se o estímulo do balconista interessado em ganhar uma comissão pela venda. Mesmo nas camadas privilegiadas, que têm amplo acesso aos serviços médicos, a automedicação ganha espaço, havendo uma tendência para a busca de solução imediata para as enfermidades, a fim de não interromper as atividades cotidianas ou possibilitar um pronto retorno a elas. Os prejuízos mais freqüentes decorrentes da automedicação incluem, entre outros, gastos supérfluos, atraso no diagnóstico e na terapêutica adequados, reações adversas ou alérgicas, e até mesma intoxicação. A simples ingestão de medicamentos pode desencadear reações desagradáveis chamadas reações adversas, que são respostas do organismo à substância ingerida e que se torna potencialmente maior quando há prática de automedicação. Alguns efeitos adversos ficam mascarados, enquanto outros se confundem com os da doença que motivou o consumo, e criam novos problemas. Os mais graves podem levar o paciente à internação hospitalar ou à morte. Estas reações são mais freqüentes quando a pessoa não se contenta em tomar um só comprimido, consumindo vários ao mesmo tempo e aumentando o risco de intoxicações (agravo à saúde) que podem diminuir, aumentar ou modificar a ação de um medicamento.
A receita médica exigida pela maioria dos medicamentos tem razão para existir. Ao se automedicar, o doente quase sempre complica ainda mais o seu problema de saúde. Um bom exemplo são os antibióticos utilizados para combater infecções por bactérias. Os representantes dessa classe de medicamentos são específicos para cada microorganismo e necessitam de regimes medicamentosos diferentes. Quando o paciente se automedica com um antibiótico, em quase todas as vezes, acaba tomando um remédio que não serve para o seu caso. Por exemplo, os vírus – que são a mais frequente causa de infecção das vias aéreas superiores, inclusive das famosas gripes – não são atingidos por nenhum antibiótico. Ao tomar antibiótico para combater uma infecção viral, o doente apenas facilita o surgimento de infecções mais graves. O pior é que mesmo nos casos em que o paciente irresponsável acerta o antibiótico, ele erra na dose. Além disso, esses remédios têm que ser tomados pelo período de tempo determinado pelo médico. Seguir a bula não é suficiente. Caso o tratamento seja interrompido antes do tempo, existe uma grande possibilidade de surgir resistência bacteriana, ou seja, a formação de uma “superbactéria”. Entretanto, não são apenas os antibióticos que representam o problema. Existem pessoas com doenças crônicas que ficam utilizando aquela mesma receita de anos atrás. Doenças como diabetes, hipertensão, hiper e hipo-tireoidismo, alergias, artrite, doenças mentais, entre outras, necessitam de avaliação constante do médico, que adapta o tratamento de acordo com a evolução da doença. A automedicação pode mascarar diagnósticos na fase inicial da doença. Exemplo marcante é no diagnóstico de apendicite aguda. O doente inicia com um quadro frusto, se automedica com antibióticos. Como conseqüência, a apendicite aguda em fase inicial, que se resolveria com uma apendicectomia tecnicamente fácil, pode evoluir para um quadro de peritonite grave com consequências às vezes funestas. Do mesmo modo, neoplasias gástricas e intestinais podem ter diagnósticos mascarados e retardados pela melhora de sintomas promovida por inibidores da bomba de prótons (do grupo do omeprazol) ou outros medicamentos (da classe da ranitidina, cimetidina) que agem no tubo digestivo.
Outro exemplo relevante é o tratamento inadequado de alguma Doença Sexualmente Transmissível (DST) que pode levar a uma melhora (que parece cura) e o paciente continua a contaminar seus parceiros(as). Mesmo se o medicamento ministrado estiver correto, caso o parceiro (a) também não se submeta a um tratamento, volta a contaminar o paciente, mantendo o problema de forma indefinida. É essencial uma orientação adequada para o tratamento precoce dos parceiros, através de exames de rotina para identificação e tratamento. Alguns exemplos de medicamentos amplamente utilizados pela população na prática da automedicação são:
• Laxante - Quando consumido indiscriminadamente pode levar a alterações intestinais. Nos idosos, pode provocar desidratação e alterações metabólicas, colocando a vida em risco.
• Xarope antitussígeno (inibidor da tosse): A tosse pode ter várias causas como, por exemplo: infecção viral ou bacteriana, alergia, refluxo da hérnia de hiato e câncer das vias respiratórias. O xarope pode mascarar o sintoma, permitindo que a doença evolua sem controle, pode piorar o problema ou não ter efeito algum.
• Antibióticos: Utilizado para tratar várias infecções como as infecções das vias respiratórias, gripes e outras. Mesmo que a pessoa acerte na escolha, ao comprar sem indicação médica, pode errar no tipo e na dosagem, levando ao tratamento inadequado. Além disso, o indivíduo pode desenvolver resistência bacteriana e quando for realmente necessária, não terá efeito.
• Antiácidos: Muito usado para combater dor de estômago, que pode ser sintoma de úlcera, tumor. O uso inadequado pode retardar o diagnóstico, comprometer o tratamento.
• Aspirina (Ácido Acetil Salicílico-AAS): Droga analgésica, antiinflamatória e antipirética (que combate a febre) e também que previne o infarto, deveria ser consumida com indicação médica, mesmo no controle de outras doenças, porque tem efeitos colaterais importantes, podendo provocar úlceras no estômago e no duodeno, hemorragias. Podendo ser fatal se usada para combater a dengue hemorrágica.
• Colírio: Sem indicação médica, a única coisa que se pode passar nos olhos é água limpa. Os colírios têm princípios ativos variados, como corticóides e antibióticos, podem mascarar ou exacerbar doenças e se a pessoa tiver problemas prévios, como glaucoma, pode agravá-los.
• Cremes e pomadas: Muitas pessoas cometem o erro de achar que existem cremes e pomadas que tratam tudo, o que está errado porque cada um tem uma indicação adequada. O uso indiscriminado pode mascarar doenças, como câncer de pele, pode provocar dermatite de contato, ou pode não ter efeito.
A utilização de um medicamento por livre escolha ou vontade pode resultar no agravamento da saúde e também a administração de alguns medicamentos que não podem ser administrados juntos. Quando isso acontece definimos que ocorreu uma sinergia, que é quando uma medicação acaba potencializando a ação de outra. Em outra situação inversa, uma droga anularia o efeito da outra configurando antagonismo.
Não só medicamentos podem se interagir, mas também alimentos, bebidas, sucos e os chás de plantas medicinais (fitoterápicos) podem interagir com medicamentos.
Exemplos de interações entre medicamentos e medicamentos x plantas medicinais e medicamentos x alimentação:
• antiácido + AAS (Aspirina) = o efeito do AAS chega quase a zero
• anticoncepcional + antibiótico = o antibiótico reduz bastante o efeito do anticoncepcional
• antiácido + antiinflamatório = diminui a ação do antiinflamatório
• álcool + AAS = quando o álcool é ingerido com o AAS pode ocorrer gastrite e sangramento estomacal.
• azitromicina (Azi®, Zitromax®) + alimentação= a alimentação reduz o efeito desse antibiótico, sendo que esse medicamento deve ser administrado com estômago vazio.
• diclofenaco (Cataflan®) + alimentação= a alimentação reduz o efeito desse ant-inflamatório e analgésico, sendo que esse medicamento deve ser administrado com estômago vazio.
• insulina + AAS = diminui a taxa de açúcar do sangue, pois o AAS potencializa o efeito da insulina
• antiinflamatório + Lítio = o lítio se torna com alto poder de toxicidade
• antiácido + antibiótico = antibióticos como a tetraciclina perde até 75% de sua eficácia quando administrados com antiácidos
• tetraciclina + leite e seus derivados = o cálcio contido no leite, precipita o principio ativo deste tipo de antibiótico, que não funciona como deveria.
• Gingo (Ginkgo biloba) + antiplaquetários (AAS)= aumento da atividade antiplaquetária do AAS.
• Cava-Cava (Kava) (Piper methysticum) + álcool= aumento da atividade sedativa do álcool.
Muito comum entre os idosos, o hábito de se automedicar representa um risco iminente à saúde. Eles podem apresentar doenças crônicas ou agudas e conseqüentemente podem estar utilizados medicamentos prescritos pelos seus médicos. Ao utilizarem outros fármacos sem a prescrição médica podem comprometer o tratamento e também provocarem intoxicação. Em 1999, os idosos já representavam 9,05% da população no Brasil, e em 2020 poderão totalizar 13%4. Segundos especialistas, em 2025, o país será o sexto do mundo em números de pessoas na terceira idade, o que demanda cuidados especiais com essa população crescente. A população idosa apresenta peculiaridades em relação ao uso de medicamentos, devido a alterações da massa corporal, com diminuição da proporção de água, diminuição das taxas de excreção renal e do metabolismo hepático, tendendo a aumentar as concentrações plasmáticas dos medicamentos, incrementando as taxas de efeitos tóxicos. Como conseqüência, cerca de 10% a 20% das internações hospitalares de idosos decorrem de reações adversas por medicamentos nos EUA.
Não há como acabar com a automedicação, talvez pela própria condição humana de testar e arriscar decisões.
Assim é fundamental a atuação de todos os profissionais da saúde contra a automedicação e os riscos envolvidos e também que orientem a população que. procure sempre um médico para prescrever o medicamento correto para a sua patologia.
Referência Bibliográficas:
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Fonte: Assessoria de Comunicação do Unilavras.

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